Singular

        Acordei e percebi que ele me olhava de um jeito estranho.         "Por que me olha desse jeito?"         "Vo...




        Acordei e percebi que ele me olhava de um jeito estranho.
        "Por que me olha desse jeito?"
        "Você teve mais um daqueles pesadelos horríveis, não teve?"
        "Como sabe?"
        "Bem, além de fato de parecer que você estava tendo uma convulsão de tanto tremer, ficou choramingando e tive que te abraçar por algumas horas." ele me mostrou um hematoma na perna, bem recente. "Isso foi você, quando fui te abraçar."
        "Caramba, você deve mesmo me amar, pra me suportar mesmo quando agrido você."
        "É, digamos que eu te ame pra caramba. E então, vai me dizer sobre o que se tratava o pesadelo?"
        "Ah, o mesmo de sempre. Memórias ruins, eu perdendo você, essas coisas."
        "Acho que devia ir num psicólogo."
        "É, estou pensando nisso."
        Quando me sentei na cama, ainda sentindo os resquícios do sono, ele acariciou pela milésima vez a minha mais nova tatuagem. Singular.
        "Qual o significado dela?"
        "Amor, já te expliquei um bilhão de vezes!"
        "Sim, e você fica mais linda a cada vez que explica."
        "Ok, ok. Me convenceu. Segundo o dicionário, Singular é 'aquilo que é único, exclusivo, raro, sem par.' E eu quero me sentir assim todo o tempo. Quero ser uma 'edição única' de mim mesma. Sem outra safra. Sem outro lote. Só eu. Quero que olhem pra mim e percebam que não encontrarão outra pessoa que se pareça comigo. Quero ser singular, do meu jeito."
        Ele me olhava com uma fascinação surpreendente, o que me deixou sem graça. Afundei meu rosto em seu peito, enquanto meus cachos se espalhavam por todo o seu peito e braço.
       "Você realmente não se acostumou com a forma como olho pra você toda vez que diz isso?"
       "Não, e nunca vou me acostumar."
        Enquanto ele me apertava num abraço de urso, disse: "Pois saiba que amo ainda mais quando corre pra mim ao estar envergonhada."
        Enquanto eu revirava os olhos, lhe respondi: "Ué, e pra onde mais eu podia correr? Você é o meu porto seguro, cabeça de bagre."
        "Peraí, você me chamou de que?"
        Eu saí correndo do quarto, pois sabia o que vinha a seguir. Vi-o sair também, e percebi que estava encurralada. Teria que passar por mais uma sessão de tortura, conhecida também como cócegas.
        "Amor, eu estava brincando, não faz isso!"
        "Vem cá, minha vida. Isso vai acontecer de um jeito ou de outro."
Alguns minutos depois
        Eu me encontrava deitada na cama de novo, completamente sem fôlego de tanto rir e correr dele. Ele também estava deitado, e toda a lateral dos nossos corpos se tocavam. Ele se virou, e me olhou por pelo menos 5 minutos, antes de sussurrar uma única palavra: Singular. Pela primeira vez, consegui retribui seu olhar.
        Naquela intensa troca de olhares, acabei percebendo. Ele, com todo aquele jeito especial, me fez não querer mais ser tão singular assim. Eu poderia continuar a ser única, mas tendo um par.
        Enquanto ainda nos olhávamos, eu sussurrei:
        "Não, não quero mais ser Singular. Achei meu par."
        "Você não precisa deixar de ser Singular. Só me deixe ser também, e transformamos a nossa vida numa só, tendo a Singularidade como principal fator que nos una."
        Foi quando percebi outra coisa: eu queria ser Singular porque achava ser fraca demais pra dividir meus sentimentos e pensamentos com alguém.
        Num ímpeto, levantei-me da cama e peguei uma caneta, nem dando tempo de ele perguntar o que fazia. Peguei seu pulso - ouvi uma reclamação de dor, percebendo que eu fora um pouco bruta demais - e escrevi uma palavra. Singular.
        Ainda num sussurro, eu disse: "Agora sim, somos um só. E viva a Singularidade!"


     

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